29.7.10

Sonhos e causos de João do Pife

Até chegar na simples casinha foi complicado. Eram poucas as referências e cada uma daquelas pessoas sentadas na esquina do bairro do Salgado dava uma orientação diferente. Estávamos em Caruaru em busca da casa do mestre do pífano, João Alfredo Marques dos Santos, ou, simplesmente, João do Pife.

A oficina estava fechada, mas logo vimos números para contato na parede. Ligamos. Poucos minutos depois, lá vinha, com passo apressado, Seu João, todo contente por receber visitas naquele domingo. O sorriso no rosto vinha junto com ele. Aliás, eles são inseparáveis. Abraços apertados e o convite para entrar para o seu mundo, com todo o orgulho. Antes, lê-se a primeira lição, já meio apagada, na parede descascada da oficina: "Sejam aqueles que preferem cantar a vida". Aí a gente entra.

A casinha é azul, minúscula e ainda enfeitada com bandeirinhas e balões de festa junina. O espaço é todo ocupado por pífanos e tambores produzidos por Seu João. Nas paredes, fotos da família, da "Banda Dois Irmãos" - da qual ele faz parte junto a outros cinco parentes, entre filhos e netos - e matérias de jornal emolduradas. Há desde jornais locais a importantes matérias em publicações francesas e americanas. Resultado de 50 anos de profissão!

Em pouco tempo, João do Pife nos transporta para um universo que é dele. Conta histórias e casos dessa vida embalada pelo som do pífano, sua paixão. O orgulho de João do Pife por seu "fabrico" é contagiante! É impossível não sentar num dos banquinhos improvisados de madeira e ouvir as histórias dele.

Tudo começou quando ele tinha 14 anos, no município de Riacho das Almas, onde nasceu. "Meu mestre é esse aqui (mostrando a foto), Alfredo Marques dos Santos, meu pai. Anotou aí?!" Naquele tempo, João tocava nas novenas, atrás das procissões. Mais velho, mudou-se para Caruaru, onde teve um box na feira, no qual vendia e produzia seus instrumentos. Foram 35 anos de trabalho na famosa Feira de Caruaru.
O pífano levou Seu João a realizar sonhos que talvez ele nem tenha sonhado. Hoje, ele conhece mais de 26 países, graças a seu trabalho. "Se eu num tivesse aprendido a tocar o pífano, se num fosse essa taboca aqui, eu num tinha andado de avião o tanto que eu andei. Iam querer me levar pra fora pra fazer o quê?! Através do pífano eu caso e batizo!" A gente ri da simplicidade e vai sonhando junto com ele.

As andanças de João do Pife foram muitas. No seu currículo há aulas ministradas "naquele lugarzinho depois de Orlando..." (Florida). Foram 10 semanas produzindo, tocando e ensinando na Universidade. Hoje ele dá aulas, mas num Centro Social da sua cidade.
São três CDs lançados, sendo um no Brasil, outro na Alemanha e mais um na Inglaterra.
Quando eu pergunto dos lugares que conheceu, Seu João lembra do frio que passou em Curitiba. "O beiço engrossou e quando eu fui espiar os dedos eu vi que num tava sentindo. Tá doido?!"

Muitos foram os lugares por onde passou, muita coisa vivida, mas nenhuma vontade de sair da sua terra. "Isso aqui é meu fabrico, aqui é onde estão meus sonhos. Chego todo dia às seis da manhã, faço meu cafezinho com aquela alegria, faço tudo sonhando".
O desejo ainda não realizado é ver seu ofício levado à posteridade. Todos os oito filhos (dos quais tem 12 netos) são músicos, mas nenhum aprendeu a fabricar o pífano.
Depois de muita conversa - com paradas para escutar Seu João tocando - lembramos que estávamos ali para comprar o instrumento. Há opções de R$ 10, R$ 25 e R$ 40. Ele olha um por um, mostra a diferença entre eles e escolhe um "bem afinadinho". Para ter certeza, toca mais um pouquinho. Asa Branca (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira) é a mais tocada. Ainda dá tempo de uma rápida aulinha de como tocar e segurar o pífano. Toda essa atenção tem um motivo. "Fico muito feliz quando chega gente aqui, porque tá valorizando a nossa cultura. Muito obrigada pela visita".

A gente sai dali com um sorriso no rosto e um aceno que não tem fim. Dá vontade de ficar mais, mas já é tarde.
Na volta, novos aprendizes do mestre recém-conhecido a "apitar" dentro do carro.
Ai que saudade de João do Pife...



Vai lá?
Oficina de João do Pife :: Caruaru
Rua Cardeal Arcoverde, 133.
Bairro do Salgado.
:: 9213.1411 :: 9104.4438 ::

11 Pitacos:

Oi Camila! Gostei muito do texto. Sensível.
=)
=*
Eita... já tou aprendendo a tocar meu pífo! :D
Alguem pode me ajudar a conseguir comprar um pifano feito pelo seu joão do pife?

entrem em contato: riuslesouza@gmail.com
Eu tive informações que joão do pife vede seus pifanos na feira de artesanato em caruaru, mas em qual dia da semana ele esta na feira? qual o endereço?

contato: riuslesouza@gmail.com

por favor me ajudem.
Obrigado por me ajudar.
Eu tenho uma zabumba comprada nesta mesma casinha, em 2000. Guardo até hoje essa reliquia. Para quem não sabe o seu João faleceu faz dois anos. Deve estar tocando la em cima com Luiz Gonzaga.
Oi, Luiz Flávio. Eu fui até a oficina de João do Pife no meio do ano passado, ainda vai fazer um ano. Deve ter sido algum parente dele que morreu. Quem quiser visitar, pode ligar que ele está com toda a disposição para atender. ;)
É que existe outro João do Pife, de Alagoas. Este faleceu mesmo.
Ow Menina, que bom que você fez essa matéria! Sou de Caruaru e tenho o maior orgulho da cultura local. Seu João do Pife é um verdadeiro mestre!!! Obrigada por compartilhar os dados de contato! Foi por causa deles que acabei parando aqui! Um xero
Oi, Mirelly!
Ele merece muitos textos sobre ele. Trabalho lindo. :)

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